CAPÍTULO 01: O DIA ESQUECÍVEL

Ulisses Lopes
7 min readJan 24, 2023

Era dia dois de janeiro de mais um ano singularmente repetitivo em nossas vidas e decidi tomar uma péssima decisão, que era sair da cama, mas o calor tal qual senegalês fustigava meu ser e senti-me compulsoriamente convidado a encarar mais um dia, mais um ano, e porque não, mais histórias de descaso do acaso, mas sempre em busca de uma felicidade fugaz, e assim descobri a formula da infelicidade que é nada mais que buscar por felicidade. Mas teimosamente insisti em encarar o mundo lá fora e…

Certa feita levei-me ao Centro Cultural Japonês da Avenida Pauliscta, a Quinta Avenueda brasileira, em busca de lazer e cultura, principalmente por estar exibindo a exposição de um dos meus autores preferidos de Mangá e tudo ocorreu bem, principalmente por oferecerem o melhor preço de ingresso possível, GRÁTIS, o que apetecia a minha muquiranice aguda grave, mas nenhuma felicidade sairá impune e na saída ocorreu o imprevisto.

Um bicicletiscta entregador de refeições de Aplicativo entrou na larga calçada da supracitada avenida já perpendicular ao solo e em seguida veio o tão aguardado estabaque que atraiu a atenção dos transeuntes dado seu destaque decibélico diante da calma tarde e o capacete do auto-acidentado rolou lentamente e parou ao lado do meu pé, como se fosse a cabeça decepada de um infeliz guilhotinado que nos negava a democracia em tempos de outrora na França.

Minha curiosidade atiçou pois vendo a vítima sendo socorrida por populares deu pra notar que suas cotoveleiras, joelheiras e mochila alimentícia não desprenderam do seu corpo de gafanhoto, apenas o capacete, e ao entregar-lhe a peça de segurança primordial questionei-lhe sobre a contradição ali exposta:
- Estais bem, meu jovem? Aqui está vosso elmo!
- Obrigado patrício, essa foi emocionante!
- Mal vos pergunte… Já projetando pseudo inocência. — Vosso elmo voou de vosso crânio e rolou até meus pés, decerto a correia está deveras afrouxada ou o fecho está quebrado, não?
- De nenhuma forma, eu simplesmente não tenho o hábito de afivelar meu capacete…
Todos ao redor ficaram em silêncio e o senhor parrudo que o ajudava a levantar segurando em seu braço ralado de súbito largou. Eu só consegui dizer uma ultima recomendação.
- Mude isso!

Enquanto me afastava escutei o mesmo socorrista popular ralhando com o jovem sobre o absurdo conceitual de equipamento de segurança e seu costume de arriscar-se num suicídio burroso, qual não há a intenção de se matar, mas…

O calor me levou a buscar um alívio para sobreviver até os poucos metros até o Metrô, e andando avistei a famosa lanchonete que corria o boato de fazer hamburguer com carne de minhocas e por isso iria solicitar somente o sorvete mas entre eu e o objetivo refrescante haviam jovens de colete pedindo doações para infantes de baixa renda e eu somente com poucos trocados ao bolso, preferi salvar-me desta vez e com a falsa promessa que ajudaria em outra ocasião mas tais jovens eram deveras astutos, tentando fazer chantagem emocional com os passantes perguntando se gostavam de crianças e quando ignorados concluíam com um triste “ah, não gosta?”, fazendo os incautos dialogarem pra defenderem sua reputação e assim nessa abordagem conseguiam doações, mas para felicidade geral da nação, me abordaram enquanto eu já voltava com meu sorvete em mãos, embora eu achasse que havia conseguido despistá-los:

-Pelo sorvete, o senhor gosta de crianças, né? Disse uma simpática moçoila.
Fui pego na volta e decidi não parar de andar, fazendo a insistente e determinada agente de doações me acompanhar na passada, enquanto eu pensava em uma resposta desestimulante dessa perseguição via meu McColosso derreter ao sol de 35ºC e usei a lógica dela pra sair dessa:
-Pelo sorvete, eu gosto de sorvete…

A moçoila pára estática no lugar enquanto eu sigo para longe daquela área de julgamento social e solicitação de dinheiro, com a mão toda lambuzada daquela delícia gelada que havia se apossado dos meus dedos e pensava com meus zíperes, pois não usava botões:
- O que mais falta me acontecer de ruim neste ano? Era janeiro de 2020.

Sem saber que a primeira parcela consignada do Apocalipse cairia em menos de 2 meses pra gente pagar, então fui viajar em família pra casa de parente e…

CAPÍTULO 02: A MONTANHA DESENCANTADA

Certa feita estávamos em família desfrutando os alpes mineiros em Cambuí na casa de titia e minha progenitora escalou-me para ser o Carreto das nossas compras e quando na hora de comprar os frios para a desejada Lasanha fomos em marcha para o famoso balcão de frios do mercado familiar da região, e minha mãe inicia diálogo com as atendentes:

- Boa tarde, me veja quatrocentOs gramas de presunto e mussarela, por favor?

- Xá vai!
A questão é que a atendente estava de conversa com a outra funcionária, e depois do “xá vai!” voltou ao coloquio deveras prioritário e simplesmente nos esqueceu pelos próximos 60 segundos, mas como somos paulistanos de criação, minha mãe me impediu de repetir o apelo pela pressa e eficiência ISO 9001 e interveio:

- Escuta, vocês entregam a domicílio os frios?
Atendente faz cara de glúteos por ter sido interrompida DE NOVO de sua conversa e responde em tom de escárnio:

- Não né senhoura, só oitocentAs gramas de frios não vale a pena entregar, né?

- Então pega pra mim o que te pedi porque quero levar ainda hoje!

Gente, o silêncio!!!
Depois de recuperar suas cores faciais originais, a atendente serviu ao seu propósito trabalhista com cara de canal retal e fiquei atento se ela não ia se vingar no nosso produto, pois tinha sido perturbada e obrigada a fazer seu serviço.

Agradecemos e fomos em direção ao caixa, e fiquei aliviado por minha mãe não ter enterrado ela corrigindo sobre “grama no feminino ser capim!”, uma tradição dela, não sem antes ficar atento se a ofendida não se vingari em nosso produto solicitado.

Já que estávamos no interior de Minas Gerais, decidi eu e meu irmão caçula aproveitar o ar puro e natureza da região pois com TV regional limitada a Canal do Boi e transmissão local, somado a péssima internet, não havia muitas opções e descobrimos ao conversar com os nativos da comarca que havia uma piscina natural talhada pelas mãos do criador no topo de uma montanha onde d’antes era uma pedreira e com todo o estímulo gerado pelo tédio mortificante das outras opções de lazer fomos adentar nessa aventura que poderia ser chamada de Senhor dos Anéis mas sem a parte homoafetiva de queimar o anel numa montanha e sem o apelo Country de Brokeback Mountain, remake do filme supracitado.

As paisagens eram muito aprazíveis, estradas de terra com poucas pessoas a vista e quando passavam de moto ou carro cumprimentavam, e nós respondíamos pois percebemos que a gentileza era compartilhada também dentre desconhecidos, um conceito que chegou de forma dissimulada em São Paulo, através de mensagens de “gratidão”. O cenário lembrava muito histórias do Chico Bento, entre estradas de terra batida, fazendas por todos os lados, montanhas altas, nuvens dando alívio entre o sol quente e cercas de arame farpado por todo o trajeto, e logo após cruzarmos a BR encontramos mais dois tropeiros de chinelo como nós, em busca do mesmo objetivo, a lendária piscina natural no topo da montanha e agora em um grupo de heróis nossa jornada parecia mais digna de cinema, mas não esperávamos que nosso maior inimigo seria subir a montanha a pé.

Chegando lá, notamos que a piscina perdida era um resort popular da região, cheio de pessoas com suas cangas de praia na grama, tomando suas cervejas de marcas que nem os mendigos tomariam e advindos de um bar ali estalado, fazendo nossa busca misteriosa acabar rapidamente, uma decepção que só a realidade pode nos oferecer. Superado isso, fomos nadar na tal piscina natural entre pedras e realmente, era um retângulo esculpido na pedra e a água da chuva a enchia e era fácil adentar, mas para sair só havia um acesso, fazendo do risco de afogamento um toque a mais de aventura.

Pulamos na tal piscina e o gelo era indescritível, parecia que mil cachoeiras da Sibéria havia se juntado para encher aquela piscina o que estava causando dificuldade em manter o nado e por isso irmão caçula e eu decidimos evadir daquele freezer e encontrar nossos outros dois companheiros desta saga que nem cogitaram entrar na água mas provavam daquelas cervejas retorcendo seus rostos como teste de qualidade, e em menos de um minuto de coloquio entre nós aventureiros surge um nativo muito jovem e educado, de magreza similar a de um salgadinho Stiksy, com uma notícia assaz inesperada.
- Taaaarde, tudu bão?
- Opaa, tuuudo! Respondemos em uníssomo sem termos ensaiado
- Óia, aquela moça ali achou seu amigo muintu bunitu! E apontou para o meu irmão que já se enchia de egolatria.
- Opa, é mesmo? Já respondeu de bate-pronto à afirmação, o que os jovens chamariam de React, hoje em dia
- I u noivu dela num gostou i falô qui si ocês num forimbora agora eli vai passá a faca im ocêis tudim! Com uma leveza e simpatia que faria os Corleones se arrependerem de seus comportamentos.

Ficamos mudos… nos entreolhamos… balançamos a cabeça em sinal de acordo.
- Então estamos indo, tchau! respondi já pensando que se algo acontecesse com o meu irmão, mesmo que marmanjo, a culpa seria dada a mim por minha progenitora, pois sou o irmão mais velho. Se caísse um aerolito de proporções de Itu e acabasse com a humanidade em chamas, e meu irmão por acaso se machucasse, minha mãe me culparia antes da incineração do planeta por não ter impedido o fim do mundo. Coisas de mãe.

Descemos a montanha em um doze avos do tempo que levamos pra subir, com medo que a Máfia mineira nos perseguisse, o que foi difícil até de brecar ao se correr na descida, mas ninguém caiu, o que nos deixou admirados depois, algo discutido entre nós em um espaço de segurança longe da Mordor caipira, de como o poder do cagaço é poderoso na sobrevivência do ser humano.

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Ulisses Lopes

Quando a necessidade de ler se torna a necessidade de escrever, eu escrevo. Por mim mas para os outros.