O FENÔMENO PERIFERIA FASCISTA

Ulisses Lopes
10 min readOct 14, 2019
Quando o oprimido idolatra o opressor

Como morador de periferia e tendo estudado e vivido todo este tempo de vida entre classes sociais distintas por ser branco, foi possível analisar a transformação da periferia desde os anos 90 até a eleição de um presidente orgulhosamente fascista mas não a ponto de assumir, apenas mantendo os “valores” que se enquadram na caricatura de um palhaço manipulado para que simbolize, e seja mártir, de uma ideologia nacional-populista que se assemelha à campanha que colocou Hitler e Mussolini no poder, até com jargões similares, mas a parte cômica é que nosso Fascismo tropical é aliado ao Sionismo Israelense, que seriam os Netaniyahuminions, onde sempre idolatram a figura masculina, reduzem mulheres à fraquejadas, têm medo dos estrangeiros, mesmo sendo descendentes de imigrantes e/ou refugiados, não aceitam as diferenças e idolatram um patriotismo que renega as culturas originais do país, sempre voltando ao estrangeirismo de uma nação maior que os falsamente protegeria numa situação de emergência. Mas tudo isso é papo que fala sobre uma classe-média branca, não é mesmo?

Sim, pois essa é a questão a ser abordada, do negro nazista, do gay homofóbico, da mulher anti-feminista, do patriota que odeia a própria cultura, do pobre que se culpa por ser pobre e idolatra os ricos que o exploram, do homem branco supostamente heterossexual que se considera o bastião da pureza religiosa que criou um deus a própria imagem e semelhança pregando que quem nasceu diferente a ele deve ser morto ou escravizado, para sua idolatria e riqueza, pois este seria o plano de Deus, partindo do pressuposto que só existiria um Deus único. Resumindo, por sentir-se culpado ao ser diferente do “normal”, os “anormais” devem se curvar à esse símbolo contraditório do que é justo, honesto e ético para expiarem seus crimes de nascerem “anormais”.

Se você não lê, é obrigado a acreditar no que te dizem

Lembrando que essa doutrinação católica romana foi imposta aos nativos e negros escravizados na América do Sul, é comum encontrar uma longa tradição de índios, negros e suas mestiçagens que são devotos destas culturas que os colocam como sagrados sofredores que lhes garantiriam passe direito para o paraíso e quando da modernização da sociedade estes grupos de excluídos sociais foram ocupar as periferias criando grandes complexos de favelas eles estavam expostos a uma nova ameaça cultural: a criminalização de sua cultura católica, afro e os sincretismos começaram a serem vistos como coisas do demônio por essa nova vertente brasileira de evangelismo neopentecostal que vai contra o cristianismo e o Ágape, nada mais que o próprio amor altruísta, a grande mensagem de Jesus que qualquer um pode ler a qualquer hora na bíblia, o livro ainda mais vendido do mundo, mas a idolatria ao mensageiro é mais forte fazendo o orador se tornar o agente político da religião sobrepondo a imagem da deidade que deveria ser reverenciada, principalmente quando se fala de prosperidade monetária para um grupo carente de recursos, estrutura e atenção social por parte do Estado, criando um misto de desinformações que uma figura política apolítica, de um outsider com mais de 30 anos de vida política seria a salvação de um povo sofrido, através de preconceito, violência e trabalho análogo à escravidão, tudo que vêm enfrentando há séculos, mas com uma falsa impressão de participação nos processos políticos por poderem se revoltar na internet.

O ponto interessante deste fenômeno, que seria contraditório em outros países do mundo, é como a periferia que nasceu e cresceu com o símbolo de união e comunhão, tanto de recursos quanto de culturas, desde a união das religiões africanas, indígenas e europeias como símbolo de aceitação, comunhão de trabalhos e esforços comunitários, desde os mutirões de construções e batalhas por planos sociais no campo político foi abraçar uma causa que não é deles, na realidade vai contra eles e na era da democratização da informação através dos celulares e internet, foi o Fake News que sobrepôs a informação, o bom senso e a união típica da periferia que foi sobrepujada pelo egoísmo, medo e burrice.

Se formos destrinchar os fatores que alteraram a visão da periferia sobre política, comunidade e aceitação teremos 4 pontos principais, que seriam as bases de sustentação do fascismo para populações carentes:

  • Deturpação religiosa: é imprescindível para fazer a periferia louvar seus algozes que haja um fundamentalismo que deturpe os valores aprendidos desde criança como união e empatia por algo violento que acenda a chama da revolta na população, sempre pelas mãos do próprio opressor, usando seus agentes que tem comunicação direta com as vítimas. A criação de um Deus violento que aceite propina para passar seu milagre na frente é a cara do Brasil e blindar qualquer crítica à essa farsa e seu pregador farsante é a medida principal. Normalmente esta fraude religiosa se alia ao políticos de extrema-direita
  • Medo de um inimigo inexistente: o sensacionalismo é a chave de qualquer controle da população pois elas reagem instintivamente ao medo, o sentimento quase incontrolável do ser humano e fazer as pessoas acharem que podem ser mortas a qualquer momento, ou pior, ter seus bens levados pelo Estado malvadão ou um assaltante de rua, torna as pessoas presas fáceis para os lobos vestidos de pastores, onde jornalista sensacionalista, pastor evangélico e políticos eleitos com patentes militares seriam os heróis da resistência, mesmo com o alto índice de 0% de sucesso nesses campos de ação por parte destes nobres senhores.
  • Fake News: já se sabe que povo analfabeto é fácil de manipular mas esse fato se perdeu no tempo pois com a redução do analfabetismo no Brasil e sendo a construção de escolas um grande estandarte político o objetivo tornou-se perseguir a realidade, a ciência e divulgar muita desinformação, boatos e absurdos usando das redes sociais e aplicativos de mensagens como o grande meio de divulgação de asneiras que criminalizam as pessoas responsáveis por ensinar senso crítico e educação de qualidade, por isso os professores, artistas e cientistas se tornaram os grandes “inimigos” da nação sendo acusados de socialismo e comunismo, como se fossem algo ruim.
  • Criação de heróis: sendo um dos clichês mais vergonhosos do Brasil, o “herói do povo” ainda é um personagem folclórico que habita o imaginário das pessoas mais miseráveis e que não por coincidência quando chegam a qualquer tipo de poder, seja líder comunitário, vereador ou até presidente, continuam com a mesma tradição de abuso e usurpação na vida pública que jurou combater mas com um discurso de identificação com a periferia que remonta aos três fatores anteriores citados. Vendo de perto, o heróis representa os três fatores citados acima e precisa sustentar esse discurso moralista para disfarçar sua falta de atitude ou resultados e caso a imprensa o pressione, alegará perseguição política.
Apanha da PM e pede intervenção militar…?

Uma pergunta básica seria se questionar porquê um discurso de extrema-direita voltado para a classe-média tem tanto efeito na mente dos pobres trabalhadores da periferia que viram seu espaço e imagem serem usados como ferramenta política há pelo menos 20 anos e mesmo com pouco retorno de promessas estatais preferiram se alinhar com a mentalidade de quem acha que o problema do Brasil é o excesso de assistencialismo que o governo dispensaria aos mais pobres, desde os programas de habitação popular até o Bolsa Família, e que menos Estado faria cada trabalhador prosperar sozinho como se não fosse parte de um sistema, sociedade e programas de manutenção do país através de representatividade, mão de obra e impostos mas a resposta é simples: junto deste discurso vem a premissa da riqueza para quem aderir, como se fosse um Coaching do Terceiro Reich, que culpabiliza a esquerda pela pobreza extrema das pessoas e que caso fique trabalhando sem parar, sem férias e sem direitos trabalhistas ela ficaria rica sem deixar de colocar o discurso de que quem precisa de apoio estatal são preguiçosos vagabundos. Com a premissa da riqueza para quem apoiar esses discursos anti-pobres, é muito fácil manipular as pessoas que mais sofrem com a miséria e fazê-las sonhar com um fantasioso resultado de riqueza que sempre foi difundida entre os mais miseráveis, principalmente pelos Funkeiros Ostentação.

Cultura de consumo de luxo para periferia: breguice

A periferia nesse processo largou o Rap de protesto pelo Funk Ostentação que se identificava mais com o novo perfil cultural das favelas que passou a considerar as lutas sociais como vitimização, o famoso MIMIMI das redes sociais e somado ao discurso difundido de periferia clássico de consumo de marca, o Funk Ostentação encontrou solo fértil na mente de crianças e adolescentes que sempre viram nos bairros “nobres” e na internet lugares elegantes, comidas chiques, carros, celulares e roupas que sua mãe com salário de diarista e seu pai, quando presente, com salário de pedreiro ou segurança nunca poderiam bancar e assim a promessa de um discurso nazifascista evangélico que enriquece pessoas que doam seus míseros ganhos e apoiam políticos de extrema direita que são a favor da violência policial na guerra às drogas, mesmo que sejam alvos corriqueiramente, está totalmente alinhado ao discurso desse Funk que é machismo puro onde homens são os reluzentes provedores de luxo, prazer e proteção que normalmente se alinha à essa vertente evangélica deturpada pelos cifrões e ambições egoístas.

Não é difícil você encontrar esses fatores heterogêneos de discurso sobre moralidade unidos em palanques, fotos e um buscando apoio dos fãs para o outro, fomentando o machismo como defesa de valores familiares e com o apoio das vítimas, principalmente mulheres que sonham “se dar bem” e a cada crise econômica estes três grupos ficam mais ricos: o pastor, o político e o Funkeiro ostentação.

Agora nesta parte final percebemos qual o resultado final destas décadas de transformação da periferia de empática para egoísta, de receptiva para amedrontada, transformando pecados religiosos em valores de empreendedorismo, praticamente uma idolatria da miséria, pois o verdadeiro deus louvado por este neopentecostalismo se revela com seu real nome agora, o Deus Mercado.

Entregadores de aplicativo: a nova escravidão

Primeiro foi o golpe democrático que colocou um vice-presidente que defendeu uma “ponte para o futuro”, a deforma trabalhista que reduziu salários, implantou o trabalho intermitente que reduz os ganhos do trabalhador e a precarização do trabalho formal, que somada à última tacada chamada deforma da previdência, vai fazer os pobres trabalharem para suprir dívidas recorrentes até os 70 anos para enfim conquistarem sua aposentadoria de um salário mínimo, que ainda não chegou a mil reais e está congelado numa situação econômica de inflação baixa e estagnada. Percebam que os novos contratos trabalhistas são idênticos aos trabalhos análogos à escravidão que são habituais nos interiores do Brasil, nas grandes fazendas de cidadãos de bem com seu coronelismo regional que apoiam estes mesmos políticos da mesma bancada do Boi, Bala e Bíblia: você trabalha, ganha pouco, paga muito pra sobreviver e não pode largar pois tem muitas dívidas para sanar. Claro que a modernidade das cidades grandes trocaram o capataz carrancudo por um do século XXI: o Aplicativo.

O Capataz do futuro tem nome complicado, alguns vieram do estrangeiro e conseguem empregar sem vínculos empregatícios milhões de pessoas de classe-média e miseráveis, para realizar entregas de todo tipo de coisa, seja de gente, documentos, comida e que fingem de novo como se já não existisse antes os Correios, o Courrier do velho oeste, o mensageiro da Grécia antiga, todos com baixo rendimento mas grande insalubridade e importância para o conforto dos clientes e enriquecimento meteórico dos seus donos. A grande diferença é o discurso de que o escravo pode se tornar tão rico quanto o patrão, tendo apenas que se esforçar cada vez mais, mesmo sabendo que o dono do negócio é um cara branco que investiu em aplicativos ou mercado financeiro e não em bicicletas, motos e carros populares.

12 horas pedalando por dia e arranja tempo para defender seus algozes

As crises econômicas encomendadas servem para difundir os discursos extremistas na população e hoje em dia no Brasil foi a extrema-direita que ocupou o espaço deixado pelas ações desastrosas da esquerda em corresponder a confiança dada à eles e não correspondida gerando o atual antipetismo que aliado aos ex-coligados do próprio PT geraram uma crise que jogou 14 milhões de brasileiros na pobreza e muitos voltaram para a miséria, colocando os engenheiros como motoristas e os miseráveis com multi-empregos de jornadas que remetem ao início do século XX nas fábricas, compartilhando da mesma sorte e com fé cega que tornando seus exploradores mais ricos algum dinheiro vai transbordar desse caldeirão e cair no bolso furado deles, mas num mundo onde as grandes cifras são digitais, não existe vazamento digital e sobra para eles apenas os discursos de idolatria ao sofrimento, como se fazia aos escravos negros no Brasil, que a meritocracia destaca o milionário do vagabundo, que a palavra do dia é a resiliência e que a zona de conforto impede eles de enriquecerem, disse o obeso homem branco em seu escritório luxuoso reclamando do excesso de ar condicionado em seus Stories de rede social.

Resumindo, podemos concluir que o fenômeno da periferia fascista se dá à soma de discursos absurdos e contraditórios que encontram guarida e representatividade apesar de ser criado e ilustrar fatores contraditórios à realidade das grandes comunidades carentes do Brasil, porque o cidadão trabalhador das classes C e abaixo se vêm como homem branco hétero cristão evangélico empreendedor de classe-média prestes a ficar rico, bastando apenas um esforcinho a mais para realizar seus sonhos de consumo enquanto se joga no abismo da ansiedade, depressão e violência social quando não vira adicto de uma droga que suavize seu sofrimento, na contramão dos valores que tanto diz defender.

A parte tragicômica disto tudo é que o discurso que diz que o socialismo e comunismo caso dominassem o país fariam as pessoas serem obrigadas a dividirem seus pertences com desconhecidos por ordem do governo, na realidade o fazem por ordem do aplicativo, para sobreviverem as crises cada vez mais frequentes e duradouras.

Este não é um texto para julgar e sim analisar, não é um texto sólido e sim flexível, este não é um texto alarmante e sim explicativo, do ponto de vista de quem vê nas bases sociais espaço para as soluções que tanto precisamos para nos ajudarmos como irmãos. O pobre de direita não é um agressor, é uma vítima, mesmo quando violenta, pois não são os piores tipos de vítimas os que mais precisam de ajuda?

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Ulisses Lopes

Quando a necessidade de ler se torna a necessidade de escrever, eu escrevo. Por mim mas para os outros.