O MITO DA “PESSOA SÉRIA”

Ulisses Lopes
5 min readMay 30, 2018

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“Não conta pra tua avó que jogo videogame!”

Quem é da geração Y, famosos Millennials, já devem ter escutado dos pais quando criança algo como “não sou criança pra gostar disso” quando não se tratava de chupeta ou mamadeira e sim de doces, programas humorísticos sem teor de humor babaca ou pornografia, e até parques de diversões mas após anos quando crescemos descobrimos que eles assistiam junto com a gente mesmo que disfarçadamente ou até escondido devido à cultura que tiveram na criação de uma figura paterna pseudo exemplar totalmente inafetiva que falava algo muito subjetivo com valor de regra pétrea: tem que ser uma pessoa séria.

Voltando muito no tempo temos o período pré ditadura militar que, junto da igreja católica, pregavam uma normatividade plena de comportamentos e gostos, onde a punição pro não-cumprimento seria o inferno, físico e pós-morte, que consolidado na própria ditadura, criou-se a figura do HOMEM SÉRIO (pois mulher não era gente na época) que sustentava a família pelo trabalho, só poderia ler notícias e qualquer demonstração de afeto para com os filhos ou esposa (que não sexual)seria sinal de fraqueza moral e, pasmem, possível risco de “contrair” pederastia que devido à esse comportamento auto-imposto tornava-se um carrasco com poderes de juiz e como todo autoritário, não precisava seguir as próprias regras.

Foi sobre esse espectro de hipocrisia e violência que muitos pais de Millennials foram criados e achavam que assim era o certo, um adulto devia ser uma máquina infeliz com semblante sisudo que tentava apagar a própria infelicidade com álcool e violência doméstica. Na contra-mão dessa cultura, seu filhos se tornaram a contra-cultura e não é difícil conhecer adultos na faixa dos 30 anos que foram do movimento Punk ou do Rap, batendo de frente com valores paternos que lhes foram impostos como solução social pro país por quem se diverte sem limites ou pudores.

Sim, estou falando de manipulação do bem estar psicológico das pessoas criadas sobre uma visão fascista voltada para a idolatria da infelicidade, precisando tornar a felicidade algo criminoso, pecado, falta de “seriedade” e quem não conseguisse seguir esse regime seria considerado fraco e vagabundo.

A idolatria ao trabalho sofrido incansável é o objetivo da criação do mito da “pessoa séria” que não deveria gastar seu tempo ocioso em atividades relacionadas ao lazer e principalmente artísticas, atribuídas valor de “coisa de vagabundo”.

Um exemplo básico é o julgamento social sobre quem não trabalha em um trabalho convencional de produção de produtos ou serviços mas relacionados à educação, arte e entretenimento. Quantos professores já foram questionados se além de dar aula não trabalhavam?

Certamente houveram rebeldes, adultos que resistiram à opressão e escondidos tinham seu lazer exercido fora do olhar do julgamento de outros infelizes que, de inveja, não mediriam esforços em detrair a honra desses subversivos que exerciam o direito básico de higiene mental que todos os tipos de animais compartilham conosco, a diversão.

O lado bom da história é que os Millennials convenceram seus pais que eles podiam jogar fora essa cultura desgraçada de auto-opressão que nunca deu nada para eles além de depressão e crises de choro crônicas enquanto precisavam em público manter o ar de seriedade, por não poderem ser eles mesmos. Lembremos que até a década de 90 a mídia mostrava em séries de TV e novelas o tio brincalhão solteiro como a “ovelha negra” (adicional de racismo) da família por não ser sério ou seguir os padrões sacro fascistas da família tradicional brasileira. Na série infantil Mundo da Lua o Tio Dudu era o solteiro brincalhão que não tinha esposa e tentava sempre novos empreendimentos do que um trabalho convencional e hoje em dia todos querem ser o Tio Dudu.

Um testemunho interessante foi em meados de 2011 um grupo de jovens estavam pedindo doações aos passantes para uma tal Ação Criança e eles abordavam sem pudores as pessoas e certa feita estava com meu merecido Mc Colosso ao calor de 40º e a moçoila indaga:
- Pelo sorvete, vejo que gosta de criança!
Retruco com o óbvio:
- Pelo sorvete, vejo que gosto de sorvete.

Ela pára de me acompanhar e fica atônita. Só fui pensar nisso anos depois.

Adultos que pra serem taxados de “sérios” com a finalidade de transmitirem uma pseudo credibilidade pela postura e aparência acabam abrindo mão de consumirem alimentos classificados como infantil, atividade de lazer consideradas de criança e até consumir cultura em diversos formatos, pois não é “adequado” um adulto gostar de filmes de heróis, videogames ou animações, mesmo que sejam o público-alvo.

Um termo recente dessa”resistência infeliz” veio da mídia, a INFANTILIZAÇÃO DE ADULTOS que não é voltada para os jovens de Classe Média Alta que precisam de reunião de país na faculdade e sim para adultos que ainda consomem Cultura Pop após a adolescência, como se houvesse limite de idade para se divertir. Extrapolando o consumo cultural temos as corridas de Kart, Paint Ball, Soft Ball, Trilhas, Shows, tudo “coisa de vagabundo” segundo a ótica dos ideólogos da tristeza, sendo que esses adultos infantilizados sustentam seu lazer com o ganho de seus trabalhos.

Já a ADULTIZAÇÃO DE CRIANÇAS já se torna algo benéfico segundo esses infelizes pois foca, de novo, a exploração do trabalho cada vez mais cedo, tendo aliados entre os oprimidos e mesmo sendo proibido trabalho infantil é uma prática comum termos crianças de 5 anos em fábricas de carvão ou se prostituindo nas estradas desde os 11 anos.

Mudando o foco, vale lembrar que o próprio costume de ir num barzinho com os amigos veio dos clássicos boêmios que ficavam ao sereno bebendo, conversando, tocando música e compunham poemas, pintavam quadros ou escreviam livros enquanto a grande massa amargava mais de 12 horas nas fábricas e depois voltavam para seus cortiços. Nessa situação os boêmios eram taxados como vagabundos e hoje em dia é um dos grandes redutos de lazer nas cidades, tornando-se gourmet.

Ainda nesse campo do bar, podemos analisar termos coloquiais que o senso comum aprova e desaprova, por exemplo, se você disser que está se matando de beber, vão te julgar mal. Serve também para “estou me matando de comer” ou qualquer outra atividade que represente prazer a menos que seja “estou me matando de trabalhar”. Perceba, qualquer atividade que faça alguém morrer não é louvável e sim evitável.

Fico feliz que hoje em dia existam adultos fazendo turismo para idoso na Disney ou com temas de casamento do Country ao RockaBilly como os faz felizes, reduzindo ao máximo a sombra da ideologia da infelicidade que ainda ronda a cultura brasileira, ainda em sua maioria conservadora nos costumes, hipócrita nas atitudes. Idosos aderiram à internet e mulheres aos Games, os sites e canais de humor nunca estiveram tão em voga.

A felicidade do dia foi ver minha mãe me mandando áudio gravado por ela com um Meme em anexo.

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Ulisses Lopes
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Written by Ulisses Lopes

Quando a necessidade de ler se torna a necessidade de escrever, eu escrevo. Por mim mas para os outros.

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